Take the "A" train.


"Chuffa, chuffa, chuffa. Choo choo. Woo woo."
Kurt Vonnegut Jr


"Por que os trens do Metrô não podem apitar como as locomotivas a vapor?" pensou Júlia enquanto esperava na plataforma. "Seria divertido". Sorriu. De qualquer modo, quando se tem dezenove anos, e se está no primeiro ano da faculdade, pode-se perfeitamente pensar tais coisas. Como também esquecer o bilhete magnético nas páginas de um livro. E então ter que comprar outro, e logo reencontrar o primeiro e pensar: "Que tonta que eu sou! Agora tenho o bastante. Que bom!"

Na mesma plataforma, mas pelo menos dez minutos adiantado, estava Fábio. Mais velho, vestia um terno xadrez desalinhado, o jornal tentando escapar da pasta, o guarda-chuva portátil de prontidão. Fábio gostava de jazz e justamente naquele momento recordava uma de suas músicas favoritas: "Take The 'A' Train", de Duke Ellington.

Fábio admirava o Metrô: sua racionalidade concreta de aço escovado; seu elegante e democrático piso de granito polido. Mesmo assim nunca lhe ocorreu associar uma coisa com a outra. Duke Ellington eram as noites de piano solo de sábado e as manhãs de domingo com a orquestra a todo volume; o Metrô era o cotidiano, de segunda a sexta, no que havia de mais imediato e permanente.

Fábio tinha ainda o curioso hábito de evitar as escadas rolantes. Não por medo. Certa vez perguntaram-lhe: "Por quê?" "Não sei. Não se deve evitar esse tipo de esforço", respondeu. "E pelo menos nisso obedeço à minha cardiologista", acrescentou. Daí enfrentava com resignação as longas escadarias. "Não sou melhor do que ninguém." E até gostava desse exercício de paciência na contra-mão de toda pós-modernidade e suas decepções.

Finalmente, o trem chegou e ambos (e todos os demais) embarcaram. Júlia desceu na Sé, enquanto Fábio desceu na Paraíso para seguir até a Consolação. Também poderia ser o contrário (as vantagens da ficção) e os trens do Metrô poderiam de fato apitar como queria Júlia e terem a letra A e Duke Ellington como queria Fábio estar com Júlia. Se ao menos, também ele, pudesse encontrar um bilhete esquecido nas páginas de um livro, como uma flor.


Na vitrola: MCcoy Tyner - Three Flowers.

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